“Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio porque as águas nunca são as mesmas e nós nunca somos os mesmos”. O existir é um perpétuo mudar, um estar constantemente sendo e não-sendo, um devir perfeito; um constante fluir...

Se gosta seja amigo :) Namasté!

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2 de dezembro de 2010

Blogagem Colectiva - Minha Ideia é meu Pincel





Antonio Poteiro - Bumba Meu Boi

Este é o último texto para a Blogagem Colectiva do Café com Bolo da Glorinha

Este quadro leva-me numa viagem à aldeia da minha mãe e à minha infância. Nessa altura a festa da aldeia eram oito dias de bailes, romarias e todos usavam as suas melhores roupas (as chamadas roupas de Domingo). As mesas ficavam postas de dia para a dia, cheias de bolos, iguarias, pão caseiro, carnes variadas. As portas ficavam abertas e todos visitavam todos os restantes, numa partilha e constante troca de bens da terra...nós, crianças, corríamos pela aldeia em festa, empanturrados de doces e de sorrisos rasgados...os vestidos brancos e as meias de renda até ao joelho acabavam sempre por ficar da cor da alegria que se quer agitada e irrequieta; os calções e camisas em miniatura...esses ninguém os reconheceria ao fim do dia...enquanto isso os homens juntavam-se a beber um copo de vinho e em amena cavaqueira, e as mulheres punham a conversa em dia à volta dos alguidares onde migavam as couves para a sopa, ou amassavam a massa para mais uma fornada de bolos e pão.
O que mais me ficou dessa altura além do colorido...os cheiros...são cheiros que não se sentem noutros sítios, idades, ou ocasiões. São os aromas únicos das aldeias beirãs em festa...daqueles tempos.

25 de novembro de 2010

Blogagem Colectiva - Minha Ideia é Meu Pincel

Frida Kahlo - Auto Retrato - 25/11 - Blogagem colectiva do Café com Bolo da Glorinha

"Pensaram que eu era surrealista, mas nunca fui. Nunca pintei sonhos, só pintei a minha própria realidade."

'
'Espero a partida com alegria... e espero nunca mais voltar... Frida'' (última entrada no seu Diário)

Muito haveria para dizer sobre esta Mulher...tanto que não encontro espaço suficiente nas palavras. Por vezes o silêncio diz mais.
Talvez porque Frida foi a MULHER que me ensinou a olhar a arte para além dela própria. Por não gostar dos seus quadros pelas técnicas, cores ou estilo...mas sim pelas emoções fortíssimas e simbolismo que carregam e transmitem a quem quiser olhar com o coração. Foi assim que conheci Frida...o desconforto que o seu pincel me causou levou-me a descobrir a mulher que o segurava. Levou-me a trilhar um pouco do seu caminho, a entender a sua dor, a partilhar o seu olhar e a reconhecer a sua dualidade.

A ti Frida, o meu silêncio repleto de empatia...

Um excelente artigo/estudo sobre Frida












18 de novembro de 2010

Blogagem Colectiva - Minha Ideia é Meu Pincel



Edgar Degas - Les Danseuses Bleues Blogagem colectiva do Café com Bolo da Glorinha

O azul devia acalmar-me. Gostava de viver no azul suave...ou no azul indígo. Ou em qualquer uma das outras tonalidades de azul. O azul esverdeado do mar...ou o azul turquesa dos olhos de um gato siamês...
Sempre gostei do azul. Tive uma camisola de gola-alta azul petróleo, intenso e forte que adorava...o azul trasporta-me para o mar e para o céu...daí até ao infinito...
Mas hoje, nem o azul, nem as suaves bailarinas em movimento gracioso conseguem acalmar-me a alma e aquecer-me o coração.
Sei que ainda não estou pronta e que me falta ainda um longo caminho para o estar. Ainda me é muito fácil sentir revolta e dor e ser arrastada para os dramas desta realidade que não o é, que eu sei que não o é, e mesmo assim...que vivo tão intensamente. Consola-me o facto de, pelo menos, poder vir a ser considerada como uma grande actriz, uma estrela ao estilo Hollywood e ganhar um Óscar do Universo numa qualquer apresentação estelar e galáctica algures numa reunião das partículas de luz, por tal desempenho aqui neste palco terrestre...
Hoje estou assim. Sinto-me revoltada e impotente, frustrada. Não sou ainda assim tão desapegada para conseguir passar ao lado de determinados actos como simples observadora, ou centrada o suficiente para reconhecer que não devo julgar para não ser julgada...sei lá eu o que já fiz noutras vidas para criticar ou julgar seja o que for...
E mesmo assim...
Sinto saudades da minha espada, não dos meus sapatos de pontas, gostava de ter o meu escudo que não trocaria pelo vestido de tule...e hoje é a luz do fogo da guerreira que arde dentro de mim, não a chama azul etérea do equilíbrio de uma bailarina.
E pergunto-me...quando crescerei o suficiente para deixar de sentir a dor alheia como se fosse minha? Para deixar de ficar cega pelas lágrimas e muda pelo nó na garganta quando vejo, leio ou fico a saber de uma injustiça, de uma atrocidade, de um acto cruel contra a vida?
Porque eu sei que a situação que me levou a ficar assim vai servir para que se levante o véu e exponham práticas que serão condenadas, legisladas, e acredito que abolidas (ver aqui).
O que me doí cá dentro é a questão porquê e como é possível...e para essas nunca encontrarei resposta. Sim, cada um de nós está cá para caminhar o seu trilho e aprender as suas lições, sim eu sei que isto é um filme...
Quantas vezes mais terei que cá vir para aprender? Porque não me parece que o consiga nesta vida...faz-me mal ser assim. E contudo...não sei ser de outra maneira.

Que me desculpe a bailarina azul que há em mim...mas hoje só há espaço para a guerreira vermelha.


Por curiosidade AQUI podem ouvir várias peças (bem pequenas) de radio sobre o tema, onde é gritante a contradição de declarações dos vários envolvidos...

11 de novembro de 2010

Blogagem Coletiva - Minha Ideia é Meu Pincel

The Watterfall - Georgia O'Keefe - Blogagem colectiva 11/11/2010 Café com Bolo da Glorinha

Nesta tela vi a Mãe...vi a origem da vida, fértil! Vi a cascata que jorra a água fonte de tudo o que existe...vi mais além, vi um lírio intocado...vi o coração de uma orquídea alva como a neve...vi a vulva pulsante de onde todos nascemos, do aconchego das entranhas quentes e escuras para a luz crua de um Mundo novo que nos cegou ao primeiro instante e depois fascinou, irremediavelmente...e senti...senti mais além...e viajei...viajei mais além... nas suas águas puras e imaculadas até um dos Homens que mais me marcou e que eu nunca conheci, pelo menos aqui...

Esta tela levou-me até Miguel Torga...que eu descobri em menina, que eu conheci, quem sabe, outrora...

Devo à paisagem as poucas alegrias que tive no mundo. Os homens só me deram tristezas. Ou eu nunca os entendi, ou eles nunca me entenderam. Até os mais próximos, os mais amigos, me cravaram na hora própria um espinho envenenado no coração. A terra, com os seus vestidos e as suas pregas, essa foi sempre generosa. É claro que nunca um panorama me interessou como gargarejo. É mesmo um favor que peço ao destino: que me poupe à degradação das habituais paneladas de prosa, a descrever de cor caminhos e florestas. As dobras, e as cores do chão onde firmo os pés, foram sempre no meu espírito coisas sagradas e íntimas como o amor. Falar duma encosta coberta de neve sem ter a alma branca também, retratar uma folha sem tremer como ela, olhar um abismo sem fundura nos olhos, é para mim o mesmo que gostar sem língua, ou cantar sem voz. Vivo a natureza integrado nela. De tal modo, que chego a sentir-me, em certas ocasiões, pedra, orvalho, flor ou nevoeiro. Nenhum outro espectáculo me dá semelhante plenitude e cria no meu espírito um sentido tão acabado do perfeito e do eterno. Bem sei que há gente que encontra o mesmo universo no jogo dum músculo ou na linha dum perfil. Lá está o exemplo de Miguel Angelo a demonstrá-lo. Mas eu, não. Eu declaro aqui a estas fundas e agrestes rugas de Portugal que nunca vi nada mais puro, mais gracioso, mais belo, do que um tufo de relva que fui encontrar um dia no alto das penedias da Calcedónia, no Gerez. Roma, Paris, Florença, Beethoven, Cervantes, Shakespeare... Palavra, que não troco por tudo isso o rasgão mais humilde da tua estamenha, Mãe!

Miguel Torga, in "Diário (1942)"


4 de novembro de 2010

Blogagem Coletiva - Minha Ideia é Meu Pincel

The Rose Garden - Paul Klee (Blogagem colectiva do Café com Bolo da Glorinha)

Quem chegasse agora aqui, onde eu estou, pensaria que era Primavera...o céu de um azul intenso, sem nuvens, as borboletas que namoriscavam aqui e ali, as flores viçosas...bandos de melros saltitando em busca de alimento...estava no topo do mundo...
Mas não. Não é Primavera. Estamos em Novembro. E Novembro, aqui, deste lado do Mundo, é Outono.
O topo do mundo fica nas traseiras da minha casa. Há muito que resolvi chamar assim a este semi-jardim, cheio de vida, onde lagartixas, libelinhas, caracóis, melros, formigas, pardais...e todos os outros minúsculos seres da criação diariamente atravessam o meu caminho ora dizendo - "cuidado não me pises!" - ora atirando um "olá" envergonhado ou um "és grande tu!" apressado.
É onde a minha cadela pode ainda correr solta e livre de estigmas, carimbos, leis sem nexo discriminatórias...
Topo do mundo porque daqui eu vejo até lá bem longe, á linha do horizonte...um pedacinho de mar entre os prédios do lado esquerdo, a serra de Sintra e o Castelo dos Mouros numa vasta imensidão sem distância, quando o paredão de nuvens descansa do outro lado do mundo que a minha visão alcança...
Do lado direito, o topo das árvores do cemitério, protegido por um alto muro. Não me incomoda e a vida ensinou-me a ter mais cuidado com os que caminham aqui do que com os que caminham do outro lado, esses normalmente até me dão uma ajudazita.
Topo do Mundo porque daqui vejo a cidade toda, as encruzilhadas dos caminhos, ruas, ruelas, o verde que brota por entre o cinzento das estradas, e do colorido dos prédios. Este verde está sempre presente. E o rosa e o cinzento dos prédios. Uma mescla que em dias como este vibra em milhares de tons derivados.
Topo do mundo porque aqui moram 3 familias de formigas, em formigueiros gigantes...facilmente diríamos que são pequenos aos nossos olhos...mas...os prédios também me parecem pequenos daqui onde estou, e contudo, eles são gigantes...e assim é também com estes formigueiros. Gigantes e bem construídos...facilmente passeio pelas suas ruas e ruelas escuras...não. Escuras aos nossos olhos humanos...pois aos olhos de uma formiga, e aos seus outros sentidos, estas ruas e ruelas pulsam de luz e vida em cada esquina. É maravilhoso entender a organização e gestão que lavram debaixo dos nossos pés. Elas atarefam-se aproveitando o dia bonito para armazenarem o sustento durante o Inverno, e repararem paredes e caminhos, fortificando-os para que nem a chuva nem o frio lhes chegue.
O topo do mundo é assim. Ao seu redor, e no seu interior...a vida tece caminhos, encruzilhadas, pontes entre mundos visíveis e invisíveis, mundos repletos de cores, de luz, de sombras, de encontros e desencontros...quantas historias por contar...quantas cores por pintar...






28 de outubro de 2010

BLOGAGEM COLECTIVA-MINHA IDEIA É MEU PINCEL - rises in Monet's Garden


Monet - Irises in Monet's Garden- 28/10

Este post é parte da Blogagem Colectiva do Café com Bolo da Glorinha!

O tempo fugia-lhe sem que ela o conseguisse agarrar. Estava presa. Irremediavelmente presa ao ecrã do portátil que lhe feria a vista já de tão cansada. Mas não podia parar. O tempo corria contra ela mas esta era uma corrida que ela conhecia bem, todos os anos era assim, e todos os anos ela se excedia dando o seu melhor, roubando tempo que não tinha á sua familia, a si mesma, aos seus animais, a tudo e todos, colocando tudo em segundo plano para poder acabar o Ano Fiscal com nota dez.
Não sabia porque o fazia. Sempre fora assim. Trabalhava naquela empresa há 13 anos...não era o trabalho que a preenchia como Ser Humano, e ultimamente esse facto agudizara-se e até a deixava doente e sem forças. Não era o ordenado congelado há 3 anos pela "crise" que só toca aos que já quase nada têm, nem as compensações que tardavam sempre. Ela era assim. Ligava o turbo e só descansava quando tudo estava feito, em ordem, sem qualquer ponta solta...O ascendente Virgem impunha-se sempre ao signo Peixes, nesta fase. O problema era que nos restantes meses do ano ela sentia que era o Peixes que levava a melhor sobre Virgem, ajudando a que a fase final fosse sempre ainda mais complicada do que o necessário.
Sorriu. Em 13 anos fora a primeira vez que percebera este simples facto. E foi a primeira vez que não desperdiçou energias preciosas a maldizer a sua sorte, a queixar-se, ou simplesmente a sentir-se miserável. Suspirou agradecida pelo ano deveras complicado que estava a ter, mas que a obrigara a fazer o mind shift exigido pelo Universo há tanto tempo!
Ergueu os olhos do computador para a imagem que imprimira ontem e afixara no biombo azul que a protegia do resto do mundo que ainda hoje não compreendia lá muito bem. Deixou-se energizar pela suavidade das pinceladas irreais, pela cor violeta, lilás, rosa, verde...o aroma dos campos da sua infância embriagou-lhe os sentidos. Fechou os olhos e permitiu-se um minuto de deleite, sentindo a erva fresca sobre os pés descalços, a brisa acariciando a face...o zumbido das abelhas atarefadas e o chilrear dos pássaros que saltitavam aqui e ali em busca de alimento embalaram-lhe a alma e massajaram-lhe os músculos doridos da tensão. Inspirou bem fundo o aroma da liberdade e guardou no coração a beleza pura que só um jardim encantado pode oferecer. Voltaria mais tarde, para mais uma fuga rápida e intensa ao stress da realidade. Agora o trabalho chamava e ela já não franzia o sobreolho, antes sorria confiante em si mesma e nas suas capacidades...pronta para mais uma batalha!


1 de setembro de 2009

De regresso a Eri

Este post faz parte da blogagem colectiva com o tema 'Dormir aqui e amanhecer em outro lugar', do Blog Vou de Coletivo .


A brisa do mar acordou-a, envolvendo-lhe a alma adormecida e chamando-a de volta ao corpo que a aguardava.
Ao longe, um Sol carmim renascia trazendo consigo o som estridente de aves reluzentes que rasgavam os céus numa saudação á vida.
A luz daquele Sol penetrava avermelhada na neblina eterea que a rodeava, lançando chamas de novas cores sobre o mundo em que se encontrava.
Abriu os olhos lentamente, experimentando a sensação de ver pela primeira vez. Aos poucos as memorias foram poisando e encontrando o seu lugar, como peças de um puzzle que se encaixam naturalmente.
Deixou-se ficar ainda por momentos deitada sobre a Terra molhada da noite, sentindo o seu ritmo entranhar-se e energizar as suas células, forçando-as a entrar na corrente da vibração universal.
Olhou o seu corpo pela primeira vez e maravilhou-se com a cor azul eléctrica que a pele acetinada irradiava. As pequenas escamas brilhantes que a revestiam eram quentes aos toque. Os cabelos compridos eram de um branco puro e luminoso, e caiam soltos pelas costas em ondas revoltas de perfeição.
Estava nua. As suas longas pernas acabavam em patas largas de 4 dedos cobertos de tufos de penas também brancas, e maravilhada descobriu que tinha garras poderosas e afiadas.
Tentou levantar-se, mas em vez disso elevou-se e pairou sob o rasto gravado na terra fecunda pelo seu corpo. Foi só então que se apercebeu das asas que lhe rompiam as costas e que batiam agora suavemente. Por momentos atrapalhou-se sem saber como controlar os seus movimentos, mas rapidamente se apercebeu que seria o mesmo que movimentar um dos outros 4 membros.
Sorriu.
Tudo lhe pareceu natural.
Até as 4 Luas de cores e tamanhos diferentes que se mostravam esplendorosas no céu, como se irradiassem a sua própria luz e assim não pudessem ser apagadas pela luz estranha daquele Sol cujo carmim era agora ainda mais vivo.
Tentou vocalizar e assustou-se imediatamente com o chilreado que emitiu, num tom baixo mas muito nítido, com vibrações distintas e uma entoação sonante. Apercebeu-se instintivamente da complexidade daqueles sons, e que deveria ter cuidado na sua utilização pois correspondiam exactamente ao que pensava no momento. A palavra mentira aflorou-lhe a mente, mas não sabia de onde vinha nem o que significava e por isso esqueceu-a instantaneamente.
Sentia apenas uma enorme alegria por estar de volta e ansiava agora encontrar...encontrar quem? Não se lembrava. Mas sabia que tinha de ir... onde?
Abanou a cabeça perplexa com tudo aquilo.
Que mundo era aquele em que acordara?
Porque nada lhe parecia estranho?
E porque é que não conseguia recordar-se de praticamente nada que antecedesse aquele despertar?
Mirou-se naquele mar de águas negras, como se a sua imagem lhe pudesse devolver algo que perdera... e ao olhar-se nos olhos sem cor do seu reflexo, assustou-se e caiu...
Aterrou na cama, erguendo-se de imediato e acendeu a luz...tocou-se a medo e descobriu-se humana...as lágrimas incendiaram-lhe os olhos inundados de uma súbita saudade...sonhara...