Este
post faz parte da
blogagem colectiva com o tema 'Dormir aqui e amanhecer em outro lugar', do Blog
Vou de Coletivo .

A brisa do mar acordou-a, envolvendo-lhe a alma adormecida e chamando-a de volta ao corpo que a aguardava.
Ao longe, um Sol carmim renascia trazendo consigo o som estridente de aves reluzentes que rasgavam os céus numa saudação á vida.
A luz daquele Sol penetrava avermelhada na neblina
eterea que a rodeava, lançando chamas de novas cores sobre o mundo em que se encontrava.
Abriu os olhos lentamente,
experimentando a sensação de ver pela
primeira vez. Aos poucos as memorias foram poisando e encontrando o seu lugar, como peças de um puzzle que se encaixam naturalmente.
Deixou-se ficar ainda por momentos deitada sobre a Terra molhada da noite, sentindo o seu ritmo entranhar-se e
energizar as suas células, forçando-as a entrar na corrente da vibração universal.
Olhou o seu corpo pela primeira vez e maravilhou-se com a cor azul eléctrica que a pele acetinada irradiava. As pequenas escamas brilhantes que a revestiam eram quentes aos toque. Os cabelos compridos eram de um branco puro e luminoso, e caiam soltos pelas costas em ondas revoltas de perfeição.
Estava nua. As suas longas pernas acabavam em patas largas de 4 dedos cobertos de tufos de penas também brancas, e maravilhada descobriu que tinha garras poderosas e afiadas.
Tentou levantar-se, mas em vez disso elevou-se e pairou sob o rasto gravado na terra fecunda pelo seu corpo. Foi só então que se apercebeu das asas que lhe rompiam as costas e que batiam agora suavemente. Por momentos atrapalhou-se sem saber como controlar os seus movimentos, mas rapidamente se apercebeu que seria o mesmo que movimentar um dos outros 4 membros.
Sorriu.
Tudo lhe pareceu natural.
Até as 4 Luas de cores e tamanhos diferentes que se mostravam esplendorosas no céu, como se irradiassem a sua própria luz e assim não pudessem ser apagadas pela luz estranha daquele Sol cujo carmim era agora ainda mais vivo.
Tentou vocalizar e assustou-se imediatamente com o chilreado que emitiu, num tom baixo mas muito nítido, com vibrações distintas e uma entoação sonante. Apercebeu-se instintivamente da complexidade daqueles sons, e que deveria ter cuidado na sua utilização pois
correspondiam exactamente ao que pensava no momento. A palavra mentira aflorou-lhe a mente, mas não sabia de onde vinha nem o que significava e por isso esqueceu-a
instantaneamente.
Sentia apenas uma enorme alegria por estar de volta e ansiava agora encontrar...encontrar quem? Não se lembrava. Mas sabia que tinha de ir... onde?
Abanou a cabeça perplexa com tudo aquilo.
Que mundo era aquele em que acordara?
Porque nada lhe parecia estranho?
E porque é que não conseguia recordar-se de praticamente nada que antecedesse aquele despertar?
Mirou-se naquele mar de águas negras, como se a sua imagem lhe pudesse devolver algo que perdera... e ao olhar-se nos olhos sem cor do seu reflexo, assustou-se e caiu...
Aterrou na cama, erguendo-se de imediato e acendeu a luz...tocou-se a medo e descobriu-se humana...as lágrimas incendiaram-lhe os olhos inundados de uma súbita
saudade...sonhara...