“Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio porque as águas nunca são as mesmas e nós nunca somos os mesmos”. O existir é um perpétuo mudar, um estar constantemente sendo e não-sendo, um devir perfeito; um constante fluir...

Se gosta seja amigo :) Namasté!

10 de novembro de 2012

Guerra


( a 3 dias do eclipse total em Escorpião)

Estúpida
És tão estúpida
O que é que vieste cá fazer? O que é que estás cá a fazer?
Ela tapou os ouvidos tentando calar aquela voz que ecoa sempre dentro dela quando o limite, o abismo se aproxima.
Mas calá-la é como tentar aprisionar o vento...
E aprisionada é o que ela se sente. Num corpo que não pode voar, numa alma que não poder ser, num mundo que não compreende e que a magoa incessantemente e que ninguém compreende, ninguém vê.
Cansada. Tão cansada. Entre a responsabilidade e o Ego, e a liberdade e o desapego...quem és tu, a voz pergunta e ela sente aquela gargalhada que a rasga, que a faz sangrar e querer gritar toda aquela revolta que a convulsiona...e não pode. Não consegue. Um grito que  emudece e que se gritado poderia devastar todo o planeta num fogo sem fim...E a agonia, a agonia que lhe revolve as entranhas por ter que ser aquilo que não é e não poder ser tudo aquilo que ela sabe que é, e não poder quebrar aqueles grilhões que ela mesmo construiu e que agora a puxam, puxam invariavelmente para aquele subsolo a que chamam Terra. Esta não é a minha casa. Eu não quero estar aqui. E não posso ir embora. Não sou livre para tal. Toda a vida a tecer estes grilhões quase como se soubesse sem saber que iriam ser eles a prender-me mais tarde a esta vida...
Materialista?
E a gargalhada de escárnio...quem a suporta? Mas mais ninguém a ouve? Materialista? A única coisa que me prende aqui...a minha filha. Tudo o resto eu estaria disposta a queimar na fogueira do tempo...mas não a minha filha. Nunca a minha filha. E ninguém entende, porque ninguém sente...a guerreira e a espada, uma senda sem fim...como continuá-la? Como sobreviver sem sucumbir? Sem se entregar? Sem desistir?
Toda uma vida desperdiçada em torno de sentimentos, sentimentos que a nada levaram, ingenuidade que apenas trouxe dor, experiência dizem alguns, aquilo que eu sou hoje ... nada...nada...nada. Mas dizem que sou materialista...então calça os meus sapatos rotos e caminha o meu caminho de espinhos e fala comigo então quando os teus pés sangrarem e mesmo assim tiveres a coragem de prosseguir bebendo o próprio rasto de sangue que deixas atrás de ti como teu único alimento, sustento a uma força que nem sabes de onde vem ou se terá fim! 
Estúpida. Ingénua. Burra. A voz continua. E não para. E está dentro de mim.
 Ninguém percebe. E eu estou sempre sozinha ..nesta revolta que me consome. Nesta prisão que me asfixia...como posso ser feliz quando há tanta infelicidade à minha volta? Tanta crueldade...como podem todos continuar a caminhar como se nada fosse...um nada que me tira o ar...como conseguem respirar?
Quem são vocês? Quem sou eu? Que mundo é este???

(queimar tudo...incendiar a casa, os pertences, o carro, as dividas...fazer uma fogueira e dançar...deixar um bilhete a quem fica, pegar na mochila ao ombro e partir. Simplesmente. Partir. Não sei para onde. Não em busca de mim mesma, antes finalmente comigo mesma caminhar o meu caminho. Apenas. Sem mais amarras...sem nunca mais me amarrar, sem nunca mais sentir, sem nunca mais pensar...de volta a casa...)

Finalmente ela acorda. O corpo dorido de uma batalha invisivel. A pior de todas. Aquela entre nós e nós mesmos.

Fecha os olhos e volta a abri-los para aquele mundo onde se encontra. Sente-se gelada apesar da roupa que a cobre e agasalha. Um frio que vem de dentro e não de fora...ergue-se novamente e as pernas já não vacilam. O olhar perde-se no infinito indecifrável. O sal seco desenha-lhe sulcos na  pele e tempera-lhe a dor com laivos de coragem incandescente. Não,  ninguém compreende. Só aqueles que caminham neste mundo e que são como ela, porque mais há, ela sabe que sim, sente-o nas suas entranhas e reconhece-os sempre que, de quando a quando, se cruzam. E são esses raros momentos de deslumbramento do reconhecimento que a alimentam também. 
Procura com a mão o cabo da espada que a reconforta num toque há muito familiar, mas aqui não há espada, não há cavalo, não há armadura...aqui não há frontalidade que não a do ser. 
Os lábios vermelho sangue curvam-se num sorriso que apaga a vozinha irritante que a atazana sempre que decide ser ela mesma sem ajudas nem bengalas....como que um parasita pressentindo a fragilidade do corpo que o aloja...que tenta minar toda e qualquer resistência. Não. Não desisto. Em mim reside a minha força, e é nela que confio, mesmo quando parece falhar, e não sucumbirei á minha sombra quando é a luz que sigo!

I am not done! It´s not over!

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