“Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio porque as águas nunca são as mesmas e nós nunca somos os mesmos”. O existir é um perpétuo mudar, um estar constantemente sendo e não-sendo, um devir perfeito; um constante fluir...

Se gosta seja amigo :) Namasté!

22 de janeiro de 2011

O Livro e a Espada


Ela era alta e esguia. O vestido caía-lhe solto ao longo do corpo, cobrindo-o por completo. Era de cor clara, quase branco. O cabelo estava solto e era comprido, levemente ondulado e escuro, apenas composto por uma tiara que o impedia de cair-lhe sobre o rosto. Branca. A pele era extremamente branca e os olhos eram negros...
Com ela estava alguém que a ferira no seu mais intimo. Tinha sido traída, não fisicamente..Não, não se tratava de uma traição amorosa. Era algo mais profundo, que abalava todo o seu ser. Os olhos estavam secos, contudo ela chorava.
E eu senti o que ela sentia como se fosse eu. Mas eu nada podia fazer a não ser observar. Eu estava lá sem estar, como se assistisse a algo que já foi mas não agora...
Encontravam-se dentro de uma edificação religiosa...Cristã? Evangélica? Ocidental ou Oriental? Não sei precisar. Não vi santos esculpidos, nem a cruz...mas era sem dúvida um local de poder, antigo, onde o cheiro do incenso se misturava com algo mais. Castiçais de pé alto com velas grossas iluminavam todo o espaço...dourado...era essa a tonalidade predominante.
No altar, ao centro, uma mesa coberta por uma toalha ricamente debruada com padrões complexos, e ao lado uma mesa de pé alto com um livro aberto...uma mesa de leitura daquelas que existem em algumas Igrejas, para a leitura dos salmos.
O Livro era grande, antigo, as páginas estavam amarelecidas pelo uso, pelo fumo...encontrava-se aberto. E era nele que os olhos dela se concentravam...falavam...mas eu não consegui perceber o que diziam. Vi-a avançar para o livro com passos firmes. Tremia. Não de frio, nem de medo. Revolta...era o que ela sentia.
Como num filme, em camera lenta, vi-a pegar num dos castiçais e incliná-lo em direcção do livro. O Homem tentou impedi-la, tentou demove-la daquele intuito que eu adivinhei ser um sacrilégio...sem sucesso...a chama da vela tocou uma página e apoderou-se por completo daquele alimento seco e inesperado, devorando-o avidamente.
Ele arrancou-a dali...ela estava preparada para ali ser consumida também...pegou-lhe no braço esquerdo e arrastou-a para fora daquele local. Urgência. Era urgente fugir! 2 cavalos brancos surgiram da escuridão da noite.
Ía jurar que eram cavalos alados, enviados por um Deus daquela terra...que ao tocarem o solo se transfiguraram em cavalos mortais.
Ao longe surgiu o brilho crescente de tochas, o som de vozes...consegui perceber o vulto de casas baixas em redor daquele fogo que agora se erguia alto e irado.
Fugiram.
Montaram os cavalos brancos e galoparam deixando tudo para trás. As vozes daqueles que empunhavam as tochas e que certamente acorreram de suas casas para ver o que acontecia passaram a gritos de raiva.
Senti-me transportada para outro quadro.
Rodeados por um deserto...areias douradas e um céu infinito. Haviam tendas montadas...cavalos...e lá estava ela. E ele. Mas eu nunca o consegui ver nitidamente, como se não fosse importante. Ela empunhava a espada. Uma espada que mais parecia forjada em ferro, de lamina larga, pesada...
Algures havia uma guerra a ser travada. as suas vestes eram rudes, de um tecido áspero e tinha algo que lhe cobria e prendia o cabelo. Sei que era ela pelos olhos. Não sei como tinha força para empunhar aquela espada...devia ser muito, muito pesada.
Subitamente já não estou ali. Mas continuo no deserto...há um homem que a desafia...as vestes são diferentes das que vi anteriormente no acampamento. Há mais pessoas em redor mas não sei quem eram, penso que das duas facções, mas não interessa...eles começam a lutar. Eu sinto-me mal disposta e quase a desmaiar...como consegue ela manejar aquela espada??
Mas consegue. Acho que nem ela sabe. Porque se no primeiro momento vejo na sua cara e sinto nas minhas entranhas o esforço sobrehumano que faz para erguer a espada, de seguida tudo se sucede rapidamente, como se já não fosse ela a estar ali mas uma qualquer entidade. Vejo-a decepar um braço ao seu adversário...o sangue jorra vermelho e depois...depois é a cabeça que salta violentamente enquanto ela rodopia sobre si mesma...
Tudo se desvanece á minha volta, flashes apenas de várias fugas, de lutas, de batalhas...
E o Livro que ardeu.
Acordei. E tenho estado todo o dia com a sensação de que assisti a algo importante e que não devo esquecer...


2 comentários:

Eliane disse...

Sonhos que não devem ser esquecidos!!!Janelas para o passado eo futuro, por que as veze fazemos esses passeios? isso já aconteceu comigo varias vezes. Um beijo e paz pra vc.

Cristina Paulo disse...

Eliane, são mesmo verdadeiras janelas que se abrem! Uma ajuda preciosa que nos oferecem!
Namasté!