“Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio porque as águas nunca são as mesmas e nós nunca somos os mesmos”. O existir é um perpétuo mudar, um estar constantemente sendo e não-sendo, um devir perfeito; um constante fluir...
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22 de outubro de 2008
Psicologia e Relacionamentos I
Discutir uma problemática tão séria, como a questão da crise dos relacionamentos na actualidade, remete-nos para dois factores centrais: fazer um profundo balanço e reflexão acerca de toda a nossa história afectiva, incluindo todas as ocasiões em que estivemos apaixonados, assim como o resultado de todas essas experiências; e refletir se no decorrer da vivência afectiva sentiu que o medo do amor era algo que emanava de si próprio, do meio circundante, ou da junção de ambos. É preciso também que cada pessoa assuma a responsabilidade por seu determinado histórico emocional, deixando de lado a tentação de imputar aos outros aquilo que sente ser o seu fracasso pessoal.
A experiência clínica comprova que quando a pessoa fracassa em determinado projecto afectivo, seja um namoro ou casamento, estes jamais foram prioridades absolutas do mais profundo íntimo dessa pessoa, sendo apenas representações ou papeis que se sentiu forçada a tomar de acordo com a pressão social. É o tão comum viver o que se sente que é correcto para os outros e para a sociedade em geral, e não viver de acordo com os nossos sentimentos e vontades próprias. Este conceito pode parecer um tanto leviano se levarmos em conta todo o sofrimento, depressão, desespero, ciúmes e outras paixões intensas despertas quando há uma derrocada emocional. Todavia, temos que entender que a intensidade do sofrimento em determinada situação afectiva, não significa que a prioridade da nossa alma seja o amor, mas tão somente o reviver de uma situação antiga de carência e desamparo, amplificado pelo moderno medo colectivo da exclusão social em todos os níveis.
Em vários outros estudos clínicos o cerne do problema da questão amorosa é o facto de vários outros sentimentos se agregarem na mesma, distorcendo por completo a sua essência. Assim sendo, não ficará difícil perceber-se que sentimentos como: orgulho, inveja e ciúmes quase sempre se sobrepõem ao amor nos relacionamentos em geral. Na psicologia é comum a afirmação de que a pessoa capacitada para o amor é aquela que venceu todos os traumas e barreiras de seu desenvolvimento familiar, libertando-se de mágoas antigas e recalcamentos que se encontram presentes no individuo mas ocultos, e cuja desconstrução, análise e saneamento são condições primordiais para o crescimento e desenvolvimento da pessoa como individuo livre e consciente, e preparado para se amar a si mesmo e amar os outros sem corromper esse sentimento com quaisquer outros. Embora tal facto seja indiscutível, o grande problema nesse processo dá-se quando determinado sujeito, na luta pela libertação das figuras descritas, acaba aniquilando quase por completo a representação masculina ou feminina da afectividade. O resultado é que o emocional da pessoa fica preso numa total história de dor e sofrimento, atrofiando a sua capacidade e coragem para um relacionamento genuíno de entrega e retribuuição.
Após toda a história cultural e social dos movimentos sociais, em conjunto com a teimosia do ser masculino em absorver por completo a importância da capacidade emocional, temos um quadro de relacionamento entre homens e mulheres que mais se parece com as trincheiras da 1ª guerra mundial, não ocorrendo avanços significativos de ambos os lados, apenas a manutenção de uma atitude bélica despropositada e constante, não resolvendo as necessidades pessoais dos envolvidos. Para a nossa maquiavélica sociedade de consumo todo esse processo é comemorado, pois como todos sabem, quanto maior a insatisfação pessoal e ansiedade, maior será o desejo desenfreado de consumo, para compensar o complexo de inferioridade resultante da carência emocional.
Se alguém é excluído ou se exclui da troca amorosa, necessitará da compensação das questões materiais ou sucesso profissional para provar que pelo menos em uma área da sua vida obteve êxito. Se não tiver mais nada, o seu Ego irá consumir-se até á exaustão revivendo a dor e raiva, e encontrando apenas forças nesse processo, como uma bola de neve. Infelizmente estes processos são incentivados socialmente, permitindo que o sujeito se esconda de si mesmo lançando um manto ilusório sobre a sua real situação. Em vez de buscar as causas reais, a pessoa refugia-se de si mesma em sentimentos direccionados aos outros intrevenientes no seu drama pesosal: raiva, ódio e vingança.
Os conflictos actuais nos relacionamentos são os espelhos da impotência social que todos vivenciam, desviando para o privado toda a frustração do social. A luta no processo afectivo é um dos preços pagos pela ausência do sentimento de comunidade e sociabilidade, como dizia o psicólogo contemporâneo de FREUD, ALFRED ADLER.
A busca actual pela perfeição nas relações, nada mais é do que o desejo de fuga do medo terrível da entrega, que sempre se mascara no tédio e cansaço de construir um relacionamento. A questão central para a reflexão não é se um relacionamento sempre gera dor, mas qual neurose, desculpa ou conflito que todos se utilizam para não amar? Outro psicólogo histórico da psicologia, WILHEM REICH, chamou todo o processo acima descrito de "peste emocional", sendo que o sofrimento relatado nas relações era um subproduto da profunda repressão sexual imposta pela sociedade. Apesar da pretensa "revolução sexual", este conceito ainda se encontra extremamente actual, pois nada mais ocorreu do que uma falsa liberalidade genital que acarretou um crescente tédio e pavor da entrega como disse acima; apenas devemos acrescentar que a "peste emocional" não é somente fruto da repressão sexual, mas também da interdição dos mais sublimes sentimentos humanos: dedicação, compaixão, estímulo, companheirismo e disponibilidade.
Assim, estas qualidades estão quase sempre ausentes dos relacionamentos que fracassam, bem como a vivência sexual saudável e sem complexos ou preconceitos. As primeiras são vistas como fraquezas, e o sexo é visto como moeda de troca, arma, ou como algo “vergonhoso”, no sentido em que a pessoa tem um problema afectivo com ela mesma, sendo incapaz então de viver a afectividade de uma forma natural e saudável.
Quando cada parceiro literalmente trava a vida do outro, é porque se desenvolveram a inveja e ciúmes no relacionamento. Neste exacto ponto mais vale destruir a criatividade e potencial do companheiro, do que tolerar a submissão afectiva presente no ciúme e possessividade. A simples ausência do diálogo já é a prova máxima da destrutividade do relacionamento. Este é um mecanismo presente mas raramente reconhecido atempadamente.
(continua)
Por Dr. Antonio Carlos A. de Araujo (Psicologo),
Bibliografia: ADLER, ALFRED O Caracter Neurótico
Colaboradores: Irineu Francisco Barreto(Sociólogo)
Simone Jorge (Socióloga)
Antonio V.de Padua Garcia (Psicologo)
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2 comentários:
"...dedicação, compaixão, estímulo, companheirismo e disponibilidade".
Estas palavras resumem uma atitude de amor generoso que, quando entregue em liberdade, fazem uma relação evoluir madura e no bom sentido! Não é fácil encontrar duas "alminhas" neste patamar mas aqui cada um tem de dar o que tem, e a mais não é obrigado!
Deliciei-me I
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