“Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio porque as águas nunca são as mesmas e nós nunca somos os mesmos”. O existir é um perpétuo mudar, um estar constantemente sendo e não-sendo, um devir perfeito; um constante fluir...

Se gosta seja amigo :) Namasté!

11 de novembro de 2010

Blogagem Coletiva - Minha Ideia é Meu Pincel

The Watterfall - Georgia O'Keefe - Blogagem colectiva 11/11/2010 Café com Bolo da Glorinha

Nesta tela vi a Mãe...vi a origem da vida, fértil! Vi a cascata que jorra a água fonte de tudo o que existe...vi mais além, vi um lírio intocado...vi o coração de uma orquídea alva como a neve...vi a vulva pulsante de onde todos nascemos, do aconchego das entranhas quentes e escuras para a luz crua de um Mundo novo que nos cegou ao primeiro instante e depois fascinou, irremediavelmente...e senti...senti mais além...e viajei...viajei mais além... nas suas águas puras e imaculadas até um dos Homens que mais me marcou e que eu nunca conheci, pelo menos aqui...

Esta tela levou-me até Miguel Torga...que eu descobri em menina, que eu conheci, quem sabe, outrora...

Devo à paisagem as poucas alegrias que tive no mundo. Os homens só me deram tristezas. Ou eu nunca os entendi, ou eles nunca me entenderam. Até os mais próximos, os mais amigos, me cravaram na hora própria um espinho envenenado no coração. A terra, com os seus vestidos e as suas pregas, essa foi sempre generosa. É claro que nunca um panorama me interessou como gargarejo. É mesmo um favor que peço ao destino: que me poupe à degradação das habituais paneladas de prosa, a descrever de cor caminhos e florestas. As dobras, e as cores do chão onde firmo os pés, foram sempre no meu espírito coisas sagradas e íntimas como o amor. Falar duma encosta coberta de neve sem ter a alma branca também, retratar uma folha sem tremer como ela, olhar um abismo sem fundura nos olhos, é para mim o mesmo que gostar sem língua, ou cantar sem voz. Vivo a natureza integrado nela. De tal modo, que chego a sentir-me, em certas ocasiões, pedra, orvalho, flor ou nevoeiro. Nenhum outro espectáculo me dá semelhante plenitude e cria no meu espírito um sentido tão acabado do perfeito e do eterno. Bem sei que há gente que encontra o mesmo universo no jogo dum músculo ou na linha dum perfil. Lá está o exemplo de Miguel Angelo a demonstrá-lo. Mas eu, não. Eu declaro aqui a estas fundas e agrestes rugas de Portugal que nunca vi nada mais puro, mais gracioso, mais belo, do que um tufo de relva que fui encontrar um dia no alto das penedias da Calcedónia, no Gerez. Roma, Paris, Florença, Beethoven, Cervantes, Shakespeare... Palavra, que não troco por tudo isso o rasgão mais humilde da tua estamenha, Mãe!

Miguel Torga, in "Diário (1942)"


14 comentários:

Astrid Annabelle disse...

Uauuuuu...que lindo!
Eu senti assim Siala...depois de abrir o coração e pedir passagem para entrar no coração da autora...maravilhosa energia!!!
Parabéns...andamos no mesmo tom...estamos afinadas!!!Of course!
Linkei seu lindo animal de poder no Navegante...só podia não é?! rssss
Um beijo na sua alma querida
Astrid Annabelle

Unknown disse...

Siala

A referência a Miguel Torga é o toque certo. Li com atenção o texto e intuí a nostalgia por detrás das palavras e ouvi o teu silêncio.

Beijos

António

Anônimo disse...

Ai, Siala,
Me arrepiei. Que coisa mais linda tu escreveste! Mais visceral, impossível!! Bota escrever nisso, menina!!! Amei, amei. E as palavras de MIguel Torga, meu Deus, são lindas. Obrigada por esse post maravilhoso.
Bjssssssss

Manuela Freitas disse...

Olá,
Também participo nesta blogagem e vim até aqui e gostei demais!
Alguns especialistas de arte, dão esse pendor à pintura de O'Keefe, embora ela o tivésse negado, mas visualmente tudo leva para aí!...
Gostei muito que tivésse inserido Torga, foi um HOMEM e um escritor, QUE ADMIRO MUITO, todo ele pulsando Natureza e Humanismo!...
Beijinhos,
Manú

Glorinha L de Lion disse...

Oi Siala, que lindo, lindo texto! Como me reconheci nele, tb eu uma pessoa que não sabe conviver entre os "homens", preferindo tb a natureza, as plantas, os animais. Enriquecestes demais a blogagem com este belíssimo e pungente texto de Miguel Torga.
Linda tua participação! Grande beijo,

orvalho do ceu disse...

Olá, querida Siala
Vc descreveu em prosa o que emv erso muitos fizeram... valorizou a Natureza... Muito bom!!!
Alegre-se!!!
Com O'keef encantamos... "seduzimos"... embelezamos o mundo...
Muita paz no dia de hoje!!!
Bjs

Élys disse...

Estou, também participando desta blogagem e venho até aqui, conhecer o seu blog .
A sua visão do quadro de O'keefe é muito sedutora, pois é múltipla mostrando varios aspectos bem interessantes: a origem da vida, o coração de uma orquídea alva, entre outros.
Muito gostei do texto de Miguel Torga: Ele demonstra ver a natureza de uma forma, a meu ver, sagrada:"Vivo a natureza integrado nela"
Gostei muito.

Socorro Melo disse...

Olá, Siala!

E X C E L E N T E! Minha visão da tela foi semelhante a sua, em todos os detalhes. Também procurei descrever a origem da vida, a natureza...
O texto do Miguel Torga é fantástico. Amei. Tudo.

Beijos
Socorro Melo

Lu Souza Brito disse...

Ler seus posts nesta blogagem é sempre uma "viagem".

Beth/Lilás disse...

Siala!
Que beleza esta tua alusão ao famoso Miguel Torga que já li por aí e sei que é uma incrível mestre das palavras!
Tua visão é a primeira que tive também, via ali o mesmo, a terra representada pela vulva de onde todos nascemos. Adorei!
bjs cariocas

Malu Machado disse...

Siala, Miguel Torga. Mais um que não conhecia e que passo a conhecer em seu olhar sobre a tela de Georgia O´Keefe.

Obrigada pela sua sensibilidade.

Um abraço fraterno,

Suziley disse...

Que bela lembrança, Siala, evocada!! Linda participação!! Sensibilidade e sentimento. Beijos, boa noite :)

Élys disse...

Oi Siala
Ontem aqui estive como participante da blogagem coletiva; deixei um comentário.
Hoje não resisti a vontdade de conhecer mais o seu blog e estou muito feliz por ter vindo, pois gostei muito de tudo por aqui.
Voltarei outras vezes e para isso estou passando a segui-la.
Um grande abraço.

Cristina Paulo disse...

A todos, desculpem a ausência, mas desde sexta-feira que estou sem internet em casa :( foi impossível colocar as visitas em dia e responder aos comentários!
Obrigada por terem vindo e comentado, esta blogagem colectiva está maravilhosa e todas as participações são únicas e especiais! Eu também adoro ir espiar em cada cantinho o que foi que uma mesma imagem suscitou...é sempre surpreendente e enriquecedor ver com os olhos, coração e alma dos outros,
Namasté!